“O racismo afeta diretamente a saúde mental das mulheres negras”: Entrevista com Fabiana Aguiar, do Fundo Agbara

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A relação entre a saúde mental das mulheres negras e sua busca pela independência financeira é um tema central abordado pelo Fundo Agbara. Entrevistamos Fabiana Aguiar, diretora de operações da organização que, apoiada pelo Confluentes, é primeiro fundo filantrópico para mulheres negras do Brasil, tendo como missão é promover acesso a direitos econômicos por meio da potencialização de iniciativas criadas por mulheres negras.

Na conversa, abordamos como a saúde mental é fundamental para a emancipação socioemocional dessas mulheres e como as iniciativas do Fundo estão fazendo a diferença nesse contexto. “O Fundo Agbara parte do mesmo contexto social e emocional dessas mulheres, criando um espaço onde possam ser ouvidas, emancipadas e apoiadas.” Leia à íntegra da entrevista a seguir!

Confluentes: Como a saúde mental das mulheres negras se relaciona com a busca por independência financeira e emancipação socioemocional, temas centrais abordados pelo Fundo Agbara?

Fabiana Aguiar: A relação entre a saúde mental da mulher negra, sua busca pela independência financeira e emancipação socioemocional é um tema central abordado pelo Fundo Agbara. Para compreendermos essa dinâmica, é importante fazer uma breve reflexão sobre o histórico brasileiro.

As mulheres negras no Brasil sempre ocuparam um lugar de negligência por parte do Estado, que é estruturado de forma racista, patriarcal e classista. Nessa estrutura, o homem branco está no topo, seguido pela mulher branca, pelo homem negro e, por último, pela mulher negra. Ela sempre foi a base da estrutura familiar, muitas vezes sendo vista apenas como um objeto para satisfazer desejos sexuais, em vez de ser admirada ou valorizada como parceira em um relacionamento amoroso.

Desde os tempos da escravidão, as mulheres negras foram privadas de seus direitos, incluindo o direito a relacionamentos e cuidados adequados. Elas foram desumanizadas, sendo frequentemente tratadas de maneira animalesca. Esse histórico de violência e desvalorização impactou profundamente a saúde mental das mulheres negras, fazendo com que elas se tornassem vítimas constantes de inúmeras formas de violência.

As mulheres negras sempre foram a base familiar. Muitas delas são mães solteiras que perdem seus filhos para a violência nas favelas e comunidades. Elas enfrentam o racismo em diversas áreas, incluindo a negligência na saúde. Quando procuram atendimento médico, muitas vezes são maltratadas e submetidas a racismo estrutural.

Toda essa história de desvalorização e violência afetou a autoestima das mulheres negras, que muitas vezes não se veem como bonitas de acordo com os padrões de beleza impostos socialmente. Elas não têm referências positivas de beleza que se assemelhem a elas, o que as faz sentir deslocadas.

Essa saúde mental prejudicada e a baixa autoestima são desafios que precisam ser abordados. O Fundo Agbara acredita que a independência financeira e a emancipação emocional estão interligadas. Quando a mulher negra se reconhece como uma pessoa de beleza e valor, ela é capaz de se emancipar emocionalmente e, consequentemente, financeiramente. Isso a capacita a romper com círculos de violência, incluindo a psicológica, física e patrimonial.

Portanto, antes de discutirmos a independência financeira, é crucial focar na parte emocional, no cuidado com a saúde mental e na reconstrução da autoestima. Isso cria as bases para que a mulher negra se torne protagonista de sua própria história, abrindo caminho para sua independência financeira e emancipação socioemocional. Essa abordagem holística é fundamental para promover a transformação e empoderamento das mulheres negras.

 

Confluentes: Quais são, no contexto brasileiro, os desafios específicos que as mulheres negras enfrentam em relação à saúde mental?

Fabiana Aguiar: O racismo é um grande obstáculo que afeta diretamente a saúde mental das mulheres negras brasileiras. Enquanto a sociedade e a estrutura do país não combaterem efetivamente o racismo, elas continuarão sofrendo as consequências em sua saúde mental. O famoso mito da democracia racial no Brasil é uma ideologia que contribui para a perpetuação desse problema.

O segundo desafio é a desigualdade. A falta de oportunidades e de acesso ao mercado de trabalho e a posições de liderança impacta diretamente a saúde mental das mulheres negras. A falta de representatividade e de igualdade de oportunidades cria um ambiente desfavorável que prejudica sua saúde mental.

Outro desafio significativo é a violência de gênero. As mulheres negras são as que mais sofrem com feminicídio e violência no trabalho e em suas casas. Essa realidade é alarmante e exige uma resposta urgente da sociedade e das autoridades.

Além disso, muitas dessas mulheres frequentemente não contam com o apoio do pai na criação de seus filhos, o que aumenta suas responsabilidades e pressões. Isso representa um desafio significativo no contexto brasileiro.

A questão do acesso à saúde mental também é um desafio. Muitas pessoas ainda não têm acesso a psicólogos ou psiquiatras devido aos custos elevados dos serviços de saúde mental. O acesso aos serviços de saúde mental público também é difícil. Há ainda o estigma associado à saúde mental, o que dificulta a aceitação e a busca por tratamento.

Superar esses desafios requer uma abordagem multidimensional que inclua medidas para combater o racismo, promover igualdade de oportunidades, combater a violência de gênero e garantir acesso equitativo à saúde mental.

 

Confluentes: De que maneira as iniciativas apoiadas pelo Fundo Agbara contribuem para melhorar a saúde mental das mulheres negras e fortalecer sua resiliência emocional?

Fabiana Aguiar: É crucial destacar que o Agbara parte do mesmo contexto social e emocional dessas mulheres. Reconhecemos as várias barreiras que elas enfrentam, atuando de maneira sensível e acolhedora para criar um espaço onde possam ser ouvidas, emancipadas e apoiadas.

Dentro dos nossos programas, o Fundo Agbara incorpora uma abordagem de cidadania, explorando o histórico das mulheres negras no Brasil, discutindo o racismo estrutural e dando voz às suas experiências e dores. Trabalhamos para que essas mulheres compreendam que muitos dos desafios que enfrentam não são culpa delas, mas sim resultado de uma estrutura que as limita.

O Fundo Agbara também fortalece a cultura e a ancestralidade das mulheres negras, destacando as referências e as lutas de suas antecessoras. Empodera essas mulheres, incentivando o protagonismo e valorizando suas potencialidades, em vez de focar apenas nos estereótipos e nas negatividades impostas pela sociedade.

Outra abordagem importante é a inclusão de formadores e formadoras negras, que criam um ambiente seguro e acolhedor onde as mulheres podem expressar suas opiniões, superando o medo de errar. A curadoria desses formadores se concentra em tornar a linguagem acessível e evitar hierarquias, garantindo uma comunicação eficaz e inclusiva.

O Fundo Agbara oferece ainda rodas de conversa com psicólogos para as mulheres da rede, reconhecendo a importância de ouvir e compartilhar histórias para combater a solidão e o isolamento. Além disso, desenvolve programas específicos focados na saúde mental das mulheres negras, incluindo a disponibilização de auxílio psicológico para a equipe, reconhecendo a prioridade da saúde mental.

Por fim, o Agbara coloca as mulheres negras no centro de suas ações, dando a elas protagonismo e ampliando suas vozes. Acreditamos na capacidade de essas mulheres construir suas próprias narrativas e projetos, com o Fundo Agbara atuando como um apoio fortalecedor e contributivo. Essa abordagem respeitosa e inclusiva é essencial para melhorar a saúde mental e o bem-estar das mulheres negras e fortalecer sua resiliência emocional.

 

Confluentes: Que mensagem você gostaria de transmitir à comunidade em geral sobre a importância de apoiar a saúde mental das mulheres negras e promover a igualdade de oportunidades para todas as mulheres no Brasil?

Fabiana Aguiar: É fundamental lembramos da necessidade de abordar a questão da saúde mental de forma interseccional, considerando não apenas o gênero, mas também a raça. Devemos pensar em estratégias que sejam capazes de acolher as comunidades e abordar o estigma em torno da saúde mental.

No Brasil, a saúde mental é um tema frequentemente negligenciado, e o aumento das taxas de suicídio durante a pandemia é uma preocupação que muitas vezes não é discutida abertamente. É importante quebrar o tabu e enfrentar o problema de frente, em vez de escondê-lo. Precisamos discutir, pensar em soluções e desenvolver estratégias eficazes para lidar com essa questão.

Além disso, ao abordar a saúde mental com um foco na interseccionalidade, é urgente considerar a saúde das mulheres negras, levando em consideração todos os aspectos que estão socialmente em jogo. Isso envolve reconhecer e enfrentar os desafios específicos que as mulheres negras enfrentam em relação à saúde mental e desenvolver soluções que atendam a essas necessidades de forma inclusiva e equitativa.

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