São Paulo recebeu em 19 de outubro de 2024 a terceira edição do Festival Confluentes, com o tema “Conversas sobre um Brasil plural e democrático”. O evento reuniu diversas atrações no auditório do British Council para debater os caminhos para a construção de um país mais igualitário.
A primeira conversa foi conduzida pelo jornalista Guilherme Amado, que entrevistou Mathieu Lefevre, CEO e cofundador da More in Common, sobre a polarização e o papel da linguagem na sociedade. A pergunta que permeou o painel foi: “Ainda podemos falar de direitos universais?”
Para Lefevre, está em ação no Brasil a chamada “polarização afetiva”, na qual as pessoas desenvolvem fortes sentimentos de lealdade e afeição pelo seu grupo político enquanto demonstram aversão ou até hostilidade em relação ao grupo oposto. Nesse contexto, a divisão política não se limita a discordâncias sobre políticas ou ideias, mas se torna emocional e pessoal, levando a uma rejeição intensa de quem pensa de maneira diferente.
“Isso é perigoso por ignorar diferentes realidades identitárias. Por outro lado, as discordâncias políticas são parte do que se espera de uma democracia saudável”. Ele também destacou a existência de um “complexo industrial da polarização”, no qual muitos se beneficiam do acirramento de divisões.
Após o painel de abertura, Camila Rocha apresentou o primeiro mini TED da edição, reforçando o debate sobre a polarização e explorando as possibilidades de criar ambientes de diálogo entre diferentes lados políticos. A cientista política defendeu que possíveis consensos são deixados de lado por lideranças que ainda preferem apostar na polarização.
Democracia no Judiciário
O segundo mini TED foi apresentado por Beto Vasconcelos, que abordou o tema “Como funciona a justiça no Brasil”. “O equilíbrio dos poderes é um equilíbrio efetivamente estático, como na física, ou é um equilíbrio dinâmico, onde fatores políticos e institucionais, além de protagonismos e aprovação popular, interferem em quem tem mais e quem tem menos?”, questionou, lançando diversas provocações ao público e ao time que integrou o painel que viria a seguir.
Aline Midlej mediou o painel “Judiciário, polarização e democracia”, com Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, Eloísa Machado de Almeida, doutora em direitos humanos, e Karen Luise Souza, juíza de direito no TJRS. Aline abriu o debate com uma provocação: “Se a justiça não representa o Brasil real, ela pode ser considerada plena?”
Eloísa reiterou que o cenário é particularmente desafiador. “Se não tivermos um judiciário capaz de implementar uma agenda progressista de direitos humanos em prol da igualdade, estamos de fato caminhando para um país com menos direitos”, disse. Conrado, por sua vez, acredita que nos encontramos em um momento angustiante, em que temos que criticar o juiz e todos os ministros, mas defender a instituição da qual eles fazem parte a fim de defender a democracia. “Porém, a distinção entre indivíduo e instituição não é simples.”
Por fim, a juíza Karen refletiu que pensar o papel do judiciário hoje passa, necessariamente, por fazer uma transformação da própria cultura institucional. “Afinal, para além dessa segurança pública que se forja da desumanização de um determinado grupo de pessoas, temos um poder judiciário que sustenta tudo isso.”
Eu, robô?
Pedro Doria trouxe o tema da inteligência artificial ao centro da discussão em seu mini TED. Para o jornalista, a partir do momento em que começamos a tirar o trabalho mecânico e repetitivo das pessoas, é necessário reinventar a maneira como produzimos. Para tanto, é preciso treinar as ferramentas de IA para que elas possam ter um repertório condizente com o que buscamos enquanto informação e criação.
Um dos principais pontos para isso se refere aos recortes de raça, que, infelizmente, ainda são falhos. Para discorrer sobre isso, Pedro chamou ao palco a antropóloga e estrategista criativa Monique Lemos, que refletiu sobre as camadas necessárias para que a inteligência virtual possa ajudar a imaginar um futuro possível para pessoas negras.
“Quantas camadas de prompt eu preciso para existir no futuro da inteligência artificial generativa como os brancos existem?”, provocou Monique, enquanto Pedro completou: “O algoritmo não é racista. Seres humanos são racistas e o algoritmo é treinado por eles”.
Daqui em diante
O que podemos esperar para o futuro? A pergunta, que invariavelmente leva à discussão sobre a agenda climática, fechou os debates desta edição do festival. Para respondê-la, o jornalista Rodrigo de Almeida recebeu no palco as vereadoras eleitas Ingrid Sateré Mawé (PSOL) e Marina Bragante (Rede Sustentabilidade),
Marina acredita que o clima não pode ser encarado como uma pauta da esquerda. “É preciso que todos os lados políticos percebam que as mudanças climáticas fazem parte de suas pautas e o que acontece em cada município importa muito nessa discussão”, disse.
Ingrid, primeira indígena eleita na capital catarinense, completou: “Não se iludam. Nós, que somos indígenas, passamos pelos mesmos males que a sociedade não indígena. Somos corpos políticos, mas só adquirimos o direito de votar há 52 anos. Por isso, agora, a gente pretende trazer novas perspectivas ambientais para poder salvar o mundo.”
No encerramento, a cantora e compositora Jadsa, de Salvador encantou o público com seu repertório autoral e clássicos de Leci Brandão.
O 3º Festival Confluentes ainda abriu espaço para a exposição O Elo Sagrado das Águas do Brasil: Cerrado e Amazônia, que, realizada pela Ambiental Media em parceria com o Confluentes, promoveu uma imersão visual nas paisagens e desafios do Cerrado e da Amazônia. Fundada em 2016, a Ambiental é uma organização de jornalismo independente com foco em ciência climática, análise de dados e jornalismo de campo. As fotografias, capturadas pelos fotógrafos de natureza André Dib e Bruno Kelly, revelaram as realidades e as vozes dos brasileiros que estão na linha de frente do combate ao desmatamento.
O 3º Festival Confluentes contou com o apoio da Open Society Foundations, da revista piauí, da Trip e e da Pensata Comunicação, além da parceria da Ambiental Media e da Imani Chás Orgânicos.
Até o próximo ano!