Questões estruturais explicam a desigualdade racial na expectativa de vida, acesso médico e qualidade de atendimento
por Rafael Silva*
Como está a saúde das pessoas pretas no Brasil? Essa é uma pergunta de difícil e complexa resposta. Para chegar o mais próximo de respondê-la, é preciso investigar o acesso e a discriminação racial nos serviços de saúde brasileiros.
Para isso, usarei os dados do capítulo “Acesso e discriminação racial nos serviços de saúde no Brasil”, presente no livro Números da discriminação racial: desenvolvimento humano, equidade e políticas públicas, organizado pelos pesquisadores e economistas Michael França e Alysson Portella, do Insper.
Os números revelam que, em comparação com a população branca, pessoas pretas têm o dobro de chances de não receber atendimento médico no Brasil ou mesmo de jamais ir ao médico durante a vida. Sim, mesmo que sejam minoria, ainda existem brasileiros que nunca receberam atendimento de saúde – principalmente em zonas rurais extremamente pobres e de baixa infraestrutura.
Consequências
Além do desafio do acesso, quando atendidas, pessoas pretas têm três vezes mais probabilidade de relatar uma experiência negativa, sentindo-se desvalorizadas ou ignoradas pelos profissionais de saúde. Vale mencionar que essa percepção se dá entre negros nas faixas de renda alta, média e baixa.
Essa realidade é mais acentuada nas regiões Sul e Sudeste do país, onde se concentram as maiores taxas de reclamações relacionadas à discriminação racial. É difícil precisar a razão do problema ser maior nessas regiões, porém é possível levantar hipóteses relacionadas a desigualdades históricas, demográficas e sociais.
O impacto dessa negligência e fatores estruturais é devastador. A população preta lidera as estatísticas de mortes evitáveis e apresenta uma expectativa de vida significativamente menor em comparação aos brancos. Enquanto moradores de bairros ricos e predominantemente brancos, como a Gávea, no Rio de Janeiro, vivem em média até os 80 anos, aqueles em comunidades carentes, como o Complexo do Alemão, têm uma expectativa de vida que não ultrapassa os 65 anos.
Como melhorar esse cenário?
Os dados apontam para uma necessidade de mudanças na forma como a saúde é acessada pela população negra no Brasil. Acredito que uma possível alternativa seria o aumento na formação de médicos negros – pesquisas internacionais revelam que a semelhança racial entre médico e pacientes está associada a melhor satisfação, melhoria dos cuidados de saúde e resolutividade de problemas. No entanto, tal transformação demanda um longo período de implementação a partir de incentivos financeiros e reserva de vagas para pessoas pretas em faculdades de medicina.
Outra alternativa, e com caráter mais imediato, é o reconhecimento do racismo no atendimento médico brasileiro. Somente a partir disso é possível direcionar ações e estratégias para combatê-lo nos serviços básicos e letramento de funcionários ligados ao setor.
Concluindo, muitas questões estruturais explicam a desigualdade racial na expectativa de vida, acesso médico e qualidade de atendimento. Isso significa que, sem uma política que olhe o problema de forma global – e que passe necessariamente por uma ação integrada que foque em melhorias na economia, saneamento, educação e infraestrutura – é impossível resolvê-lo.
Rafael Silva, confluente, é professor, graduado em História e Geografia e mestre em História Social da Cultura pela PUC-Rio