Entrevista com Clara Becker, do Redes Cordiais

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“Precisamos do diálogo entre diferentes esferas para combater a desinformação”                                                  

Clara Becker, cofundadora do Redes Cordiais, organização apoiada pelo Confluentes, é jornalista, formada em Comunicação Social pela PUC-RJ e em Letras pela UFRJ, especialista em combate à desinformação. No Redes Cordiais, ela atua para construir redes sociais mais saudáveis e confiáveis, mais perto do modelo em que elas foram originalmente pensadas: uma esfera pública de diálogo e troca, numa internet livre, em que a liberdade de expressão crie comunidades comprometidas com diálogos democráticos. Neste bate-papo com Carolina de Arruda Botelho, gestora do Confluentes, Clara falou sobre a origem do projeto, os bastidores do trabalho, os grandes desafios do combate à desinformação e também de seus medos e sonhos.

Quem é você?
Sou Clara Becker, jornalista, cofundadora do Redes Cordiais, mulher branca, cis, muito privilegiada, mãe de três meninas e que vive viajando pelo mundo.

Como teve origem o Redes Cordiais?
O Redes Cordiais nasceu da conversa de três amigos jornalistas, cada um em um canto do mundo. Eu estava em Buenos Aires, na Argentina, o Guilherme Amado estava na Califórnia, nos Estados Unidos, e a Alana Rizzo estava no Brasil. Isso foi no início de 2018. Estávamos bastante angustiados com o quadro de violência nas redes sociais, que começava a extravasar para o mundo off-line. Houve um ataque à caravana do Lula, várias ameaças a ministros do STF, o assassinato da Marielle. Era uma crise política acontecendo em um país muito polarizado, no qual as pessoas estavam se informando cada vez mais pelas redes sociais. E começamos a ver o quanto de desinformação tinha ali. As pessoas estavam brigando, muitas vezes, por coisas que não eram verdade, com discursos muito inflamados, discursos de ódio. E, com as eleições se aproximando, começamos a nos preocupar muito com esse cenário, nos perguntando o que poderíamos fazer para distensionar um pouco essas animosidades e qualificar o debate, trazer informação de qualidade. Eu na época atuava como repórter da Agência Lupa, fazendo fact-checking. A informação de qualidade, verificada, obviamente é muito valorizada, mas percebi para conseguir de fato alguma coisa temos que sair da nossa bolha, da nossa zona de conforto.

Foi esse ponto que impulsionou a criação do Redes Cordiais?
Sim, essa foi a grande inovação que o Redes Cordiais trouxe. Conseguimos identificar nos influenciadores digitais atores que também precisavam se engajar nesse debate, pois são eles que dominam a conversa nas redes. Existem pesquisas que mostram que 80% do tráfego nas mídias sociais estão ligados a algum influenciador. A pergunta que nos fizemos foi como falar com o maior número de pessoas no espaço mais curto de tempo possível, porque a tecnologia muda muito rápido. Foi aí que surgiu essa ideia de trabalhar a capacitação dos influenciadores digitais: treiná-los para identificar fake news, para conseguir combater o discurso de ódio e fazer com que possam lidar com os ataques que sofrem. A missão é qualificar o debate e fazer das redes sociais um espaço mais saudável para todo mundo. Então fomos diversificando nossa linha de atuação ao perceber que as redes sociais são capazes de afetar não só a saúde política, mas também a saúde mental e física das pessoas. Assim começamos a trabalhar por uma internet mais saudável num sentido amplo.

Como é a rotina de trabalho de vocês?
Nosso principal trabalho é a organização desses workshops que fazemos com influenciadores digitais, aumentando cada vez mais a nossa comunidade de influenciadores e tentando mobilizá-los, mantê-los engajados nas nossas causas. Temos um grupo de WhatsApp com todos eles, mas fazemos os workshops com grupos pequenos porque a proposta é abrir espaços de diálogo para que eles de fato consigam trocar. Partimos de exemplos concretos ali, abordando o micro para falar do macro. A partir de uma pessoa que foi vítima de uma fake news, por exemplo, falamos do fenômeno da desinformação e das estratégias usadas. Os grupos são sempre muito heterogêneos, também, com uma diversidade de posicionamentos políticos e temáticos, pessoas de bolhas diferentes, que não necessariamente dialogariam entre si. E é muito legal porque elas descobrem que têm muito em comum. Conversam sobre angústias, trocam boas práticas, experiências, e vão aprendendo a lidar com os ataques e descobrindo que podem compartilhar experiências. Depois, no grupo de WhatsApp, ficamos à disposição, mandando constantemente notícias e outras informações importantes relacionadas ao nosso tripé de atuação, que é desinformação, discurso de ódio e diálogo.

Como vocês escolhem os influenciadores para os workshops?
O primeiro critério é diversidade, no sentido de gênero, raça, mas também de posições políticas e daquilo que chamamos de bolhas, tribos, temáticas. Mas este ano estamos procurar influenciadores que sejam abertamente politizados, que falem de política em suas redes e possam atuar na defesa da democracia e na lisura do processo eleitoral.

Qual é o grande desafio hoje no combate à desinformação?
O grande desafio é que o combate à desinformação requer um diálogo entre diversas esferas, entre a sociedade civil e o governo, as plataformas digitais, os jornalistas. Precisamos que todos atuem juntos, não basta cada um fazer a sua parte. Obviamente eu estou fazendo a minha parte enquanto Redes Cordiais, mas não é o suficiente. Precisamos de diálogo. Porque é aquela coisa: problemas complexos não têm respostas simples. Existe toda uma complexidade para chegarmos a uma solução. E é onde eu acho que a sociedade civil pode entrar, promovendo esse encontro entre diversos atores que precisam trabalhar de forma conjunta. Não adianta um deputado ou um senador querer aprovar um PL sobre fake news sem conversar com quem está ali checando informação na ponta, os jornalistas, sem conversar com as plataformas sobre o que é tecnologicamente viável ou sem conversar com a própria sociedade civil e com pesquisadores. Então é esse o grande desafio. Para avançar de fato vamos ter que entender que precisamos dessa abordagem multidisciplinar.

Você está morando no Irã, certo? O que você foi fazer aí?
Estou há quase três anos no Irã. Meu marido é diplomata e serve na embaixada em Teerã. Inclusive a minha filhinha mais nova é iraniana, nasceu aqui. É curioso, né? Porque o Irã tem um governo bastante autoritário, não temos redes sociais, fora o Instagram todas são censuradas, proibidas, então é um terreno muito fértil para a desinformação. Quando você não pode acreditar na informação oficial que é passada, quando você tem uma imprensa censurada, limitações na liberdade de expressão, as pessoas acabam acreditando mais nessas informações alternativas, o que acaba abrindo espaço para muita desinformação. É paradoxal, mas quem não acredita em nada acaba acreditando em qualquer coisa.

Qual o seu maior medo?
Eu tenho medo de as pessoas votarem ou deixarem de votar em alguém em cima de informações completamente falsas, de a influência dentro das redes sociais acabar afetando o processo democrático. Tenho medo de correntes, como a narrativa contra as urnas, por exemplo, que já trouxe uma fratura de confiança no processo eleitoral. É contra isso que temos que agir preventivamente. Precisamos ser capazes de antecipar algumas informações falsas que vão circular nas redes, vacinando a população contra isso.

E o seu maior sonho, qual é?
Meu sonho é com um país plural, em que as pessoas possam expressar suas vozes com segurança e que cada um possa ser a melhor versão de si mesmo, tomando boas escolhas em cima de boas informações. E que as pessoas tenham capacidade de dialogar, tenham generosidade afetiva. E sonho, claro, com Brasil de igualdades sociais e justiça.

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