Entrevista com a advogada e confluente Flavia Regina de Souza Oliveira
Você sabia que pessoas físicas podem destinar 6% do valor a pagar de Imposto de Renda à filantropia? E que apenas 5% das pessoas que poderiam utilizar esse benefício realmente o fazem?
A confluente Flavia Regina de Souza Oliveira conversou um pouco com a gente sobre o que precisamos fazer para ter acesso a esse incentivo fiscal e todas as questões que o envolvem, além de como esses incentivos podem ajudar a consolidar uma cultura de doação no Brasil. Especialista na estruturação de organizações da sociedade civil e negócios de impacto, ela presta ainda consultoria jurídica envolvendo temas tributários, societários, governança, contratos, processos administrativos, sempre com foco no terceiro setor, na área social e de impacto. Vamos à entrevista!
Quais são os incentivos fiscais para doações de pessoas físicas no Brasil?
Infelizmente são poucos. As pessoas podem doar com incentivo fiscal para projetos cultuais, fundos de crianças e adolescentes e fundos de idosos. São essas três linhas, algo bem específico e limitado. Nesses casos, 6% do valor de Imposto de Renda devido, em vez de ir para o fisco, é destinado a iniciativas nessas áreas de atuação.
E muita gente usa esse incentivo?
Não. Os incentivos são poucos, mas as pessoas não usam nem os poucos os que existem. Segundo os dados da Receita Federal, menos de 5% das pessoas físicas brasileiras que poderiam fazer uso desse benefício o utilizam de fato. E mesmo assim muita gente reclama que não existem incentivos fiscais, que poderiam ser mais amplos.
Por que isso acontece?
Eu diria que tem uma questão de falta de conhecimento, mas um ponto importante é que esse incentivo fiscal só é acessível a pessoas que apuram o Imposto de Renda pelo modelo completo de declaração. Pelo simplificado não é possível. Outra coisa é que a doação deve ser feita antes da declaração: você precisa doar até dia 31 de dezembro, mas só vai declarar o imposto de renda em abril do ano seguinte. A não ser no caso dos fundos de crianças e adolescentes, que podem ser feitas até o último dia da declaração, mas nesse caso o valor fica em 3%, cai pela metade. Então muita gente acaba desistindo. E tem outra ponto: algumas pessoas acreditam que ao fazer isso acabam sendo visadas pela Receita Federal, caem na malha fina. Não acho que seja verdade. É uma opinião 100% pessoal, mas a Receita hoje tem mecanismos muito sofisticados para fazer a fiscalização do Imposto de Renda. Não é uma doação que vai aumentar a chance de alguém cair na malha fina.
Existe alguma previsão de esses benefícios aumentarem?
Neste governo acho muito difícil que algo mude. Tem muita gente fazendo advocacy para isso, principalmente em relação aos fundos patrimoniais. Também tem gente trabalhando para que haja incentivos ficais para pessoas físicas relacionados a doações a projetos em educação e em prol do meio ambiente. É um assunto que está sempre na pauta, mas é algo muito sensível, pois, para que isso aconteça, o governo precisa abrir mão de receita. Então acaba não sendo exatamente uma prioridade.
Você acha que mais benefícios fariam com que mais pessoas doassem?
Acho que sim, ajudaria. Mas não acredito que mais incentivos fiscais, sozinhos, consolidariam uma cultura de doação no Brasil. É algo que ainda estamos desenvolvendo. Não posso dizer que o brasileiro não seja um povo doador, porque as pessoas doam, mas, no geral, não doam de forma estratégica ou recorrente, costumam ser doações emergenciais. Então, repito, mais incentivos poderiam fazer com que mais pessoas doassem, sim, mas não seria essa a solução para todos os nossos problemas.